Era um aspecto marcante da personalidade dele, que eu acompanhava marcado desde criança pela admiração e respeito aos mais velhos, gente capaz de transmitir sua sabedoria, seja simples, linear ou seja sofisticada. Quando menino, por exemplo, gostava de conversar com o Amadeu Consolim, na escada da mesma casa de hoje, perto da ponte, na Rua 13 de Maio.
O mesmo sentido de conversa boa dou ao meu relacionamento com o Pedro Zem, que dispensava o tratamento de senhor e me chamava apenas de Zé – como meu pai, minha mãe e meus irmãos. Era um trabalhador. Há uns quatro meses, suas doenças circulatórias se agravaram. Passou mal o Pedro. Eu fui vê-lo e animá-lo. Sujeito determinado, não se entregava e, assim, conseguiu se recuperar. Falávamos de tudo. Trabalho, piadas, negócios, política, comércio de lenha e de pedras britadas, folhetas e gramas. Conheci mais minha cidade com ele, que sabia retratar a Morungaba real, com suas belezas e intrigas. Foi vice-prefeito.
Por um tempo, tivemos, junto com minha mulher, uma cumplicidade traduzida em inofensivas explosões. Pedro soltava seu rojão quando sabia que estávamos em casa. Vizinhos, respondíamos com o nosso. Quanto mais tiros, melhor. Minutos depois, de novo. Duas, três, quatro vezes. Ríamos juntos depois. O Pedro, nessas horas, mostrava um coração de menino. Experiência e trabalho duro se misturavam, muitas vezes, com um toque de ingenuidade, permitido apenas, creio, em comunidades pequenas como Morungaba.
Presenteou-me com mudas de flores e dois casais de gansos. Várias vezes moeu cana para a nossa garapa de domingo, onde houve espaço para petiscos, churrasco e cerveja, saúde à parte. Gostava do tilintar de seu sino de bronze e de reunir seus filhos, netos e parentes. E tinha prazer em dirigir seus caminhões de lenha. Conversamos na véspera da eleição de 3 de outubro, naquele sábado à tarde. Estava entusiasmado com a previsão da vitória dos candidatos a prefeito, Luvaldo Flaibam, e vice-prefeito, seu filho e companheiro, Beto Zem, de fato eleitos. Por isso, tenho certeza de que ele viveu momentos de felicidade nos seus últimos dias. Ao telefone, falou da nossa amizade pessoal, mandou-me um abraço. Foi nossa despedida.
Sei que, às vésperas de sua morte, concordou com um amigo comum que precisava descansar, diminuir ritmo de trabalho. Resistia e mostrava, então, preocupação com o futuro dos seus empregados.
É comum alguém dizer que, diante da morte, somos condescendentes. (Ah!, é verdade, temos todos grandezas e miudezas – e quem se achar perfeito que atire a primeira pedra, é o ditado bíblico.) Terei comigo, ao longo do tempo, uma imagem bonita do Pedro Zem. Desconheço outra imagem. Um homem trabalhador, simples, sério, bom. Resta a certeza de que a morte nos iguala a todos, brancos, negros, índios. Estamos tristes, os amigos e parentes do Pedro Zem. A resposta está em um livro de Ernest Hemingway, que escreveu uma coisa assim: não pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti. Com a morte de cada homem, morre um pouco de nós. Saudade, Pedro Zem.
Artigo originalmente publicado no jornal Acontece! em Morungaba. Outubro de 2004.
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