segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Opinião - Morungaba, meu amor - José Aparecido Miguel

Escrever sobre Morungaba é uma alegria pessoal. Cumprimentar Morungaba pelos seus 114 anos me causa satisfação. Pediram-me que escrevesse como a cidade era, nos meus tempos de criança, e o que vejo nela hoje. Por isso vou escrever na primeira pessoa. Tenho 53 anos, passei 40 longe da minha terra, que esteve constantemente perto do meu coração. Voltei, claro, poucas e algumas vezes. Sou do tempo que Morungaba era distrito de Itatiba, época do prefeito Roberto Arantes Lanhoso. (Quem, às vezes, almoçava com a gente era a professora Ivony de Camargo Salles, hoje nome de escola itatibense.)
Éramos, morungabenses, os nascidos e os que vieram, uns três mil habitantes lá por volta de 1960, quando o Brasil já tinha conquistado sua primeira Copa do Mundo de Futebol. Como em todos os lugares, há gente tradicional em Morungaba. Os Miguel, filhos, netos e bisnetos de Carlo Meneghel, como eu, os Frare, Flaiban, Consolim, Bueno de Aguiar, etc.

Seria legal que um jovem lesse minha crônica. Quero traduzir aqui a esperança de evolução de nossa sociedade - neste caso como brasileiro. Vocês entenderão a razão.

Vi, assim, funcionar a primeira campainha de Morungaba, na casa do Tonico Miguel. Tivemos, certamente, a primeira televisão (*), que uma loja itatibense emprestou para que meu pai testasse durante três meses. Precisava de uma enorme antena. Deu para vermos a novela "O Direito de Nascer", que era uma choradeira só e a imagem repleta de chuviscos. Em preto e branco, moçada! Acabou devolvida.
Aquela Morungaba tinha telefonista. Conseguir uma ligação com outra cidade era muito, muito difícil mesmo. Fax, nem pensar. Celular, nem imaginar. Internet, e-mail, nem sonhar. Morungaba sonhava com a simplicidade, a leveza de viver numa comunidade pequena, onde a maioria faz da solidariedade uma marca de vida.
Em tupi-guarani, Morungaba significa colméia das abelhas. É certamente por isso que tem um povo doce e trabalhador. Como doce faz hoje sua fama por meio dos descendentes do velho David Consolim, a quem conheci e ouvi suas história na mesma Rua Araújo Campos de hoje. Em frente, um velho campinho para o futebol da meninada.
Naquela época, não era necessário radar para controlar a velocidade dos carros que, por sinal, eram mais lentos do que hoje, com marcas agora estranhas como Fargo, Studebaker, De Soto, que tinham câmbio a seco e problemas que o Ademar resolvia - ele está aí para contar.
Conheci o dr. Romeu Bueno de Aguiar, que tratou da minha saúde, e fui coroinha do padre Honório. A antiga "Aguadinha" - caminho que leva ao cemitério - era pouco habitada. O mesmo acontecia lá pelos lados do hospital. Meus pais, Eleutério e Helena, resolveram se mudar para que os filhos estudassem. Fomos a Amparo, outro lugar que fala ao meu coração. Não esqueço que, ao chegar, alguém me alertou para não falar tão caipira, como se amparense não tivesse sotaque. Sim, preconceito de caipira já existia. Hoje é maior graças à televisão que aboliu a força dos erres, como se grandes parcelas de mineiros e do interior paulista não existissem.
Sou orgulhosamente caipira, no bom sentido cultural de respeitar as minhas origens. O interiorano é diferenciado no relacionamento humano. O metropolitano, creio, é mais duro. Tive dificuldades algumas vezes em razão do meu sotaque, mas as contornei usando-o a meu favor. Fui locutor de rádio, na Difusora de Amparo, fazendo os comerciais do programa do "Compadre Generoso". Dele saltei para o "Discoteca", que apresentava os sucessos do dia. Não havia CD, muito menlos DVD. Era vitrola mesmo, os discos de vinil, os LPs, sigla de Long Play.
Por essas histórias, brinco que sou resultado da evolução. De Morungaba, que fez meu caráter, com a ajuda de professores como a dona Eunice de Aguiar Massarente, fui para Amparo, onde estudei até o antigo Normal, aquele que formava professores, e de lá para Campinas, onde estudei Jornalismo e iniciei minha carreira profissional, que me sustenta e que eu adoro até hoje. Passei anos entre Campinas e São Paulo onde trabalho, mas desde setembro de 2000 estou cada vez mais, de novo, em Morungaba.
Vou revelar um fato curioso. Na década de 70, era repórter do "Estadão" em Campinas. Semanalmente fazíamos um perfil sobre cidades da região. Fiquei feliz quando fui escalado para escrever sobre Morungaba, a minha terra. Não, não iria distorcer fatos. Era uma reportagem. Foram, se não me esqueço, poucas 30 linhas. Contei como a cidade era, sua tranquilidade, a única indústria de então, o orçamento etc. O editor de Interior, meu amigo Ademar Orichio, fez o título: "Morungaba, quase parando". Embaixo, José Aparecido Miguel. Foi jornalisticamente perfeito, retratava o texto que fiz, mas me chateou.
Eu me redimi, na década seguinte, ao pautar como chefe de Redação, na EPTV-Campinas, uma entrevista sobre o lançamento de um livro do nosso Aércio Flávio Consolim, que foi meu professor de admissão ao ginásio. Tenho a fita até hoje e a vi recentemente. Qualquer pessoa que conviveu comigo uma semana sabe que Morungaba é, aos meus olhos e ao meu coração, um lugar especial.
Bem, a reportagem do "Estadão" poderia ter, também, o título "Morungaba quer crescer". E cresceu! É pequena, gostaria que se mantivesse pequena, mas já avançou muito. É uma estância climática com forte potencial turístico. Cidade gostosa, povo acolhedor. Está melhor a cada dia. Evoluiu. Não tem emprego para todo mundo, é verdade. Mas os jovens podem e devem buscar em Morungaba ou fora dela, o seu futuro, como eu fiz um dia, sem renegar meu passado. Há em Morungaba, poucas indústrias, os doces que nasceram nos velhos tachos do David, a Companhia das Ervas, que o Marcos Cury trouxe para a cidade, os adestradores de cavalos de raça, as trilhas, o Parque Ecológico "Pedro Mineiro" e, especialmente, o homem, a mulher, o jovem, o adulto morungabenses, todos com vontade e trabalho por um futuro melhor.
Morungaba, que me desculpem aqueles que gostam de outra cidade, é uma delícia. Tem um clima que lembra Campos do Jordão, está a poucos quilômetros de Campinas e de São Paulo. Ficará melhor ainda, mas terá de conviver com os críticos de seus radares na Rua (eu escrevi rua) Araújo Campos, onde os teimosos querem correr a mais de 50 quilômetros por hora. Multa neles! Transitam por ela, em alguns fins de semana, mais de 20 mil veículos. As estatísticas mostram que, em um mês, são cerca de 80 mil.
Tamanho, gente, não é documento. É preciso ter desempenho. Morungaba, quem viver verá, ainda será um exemplo maior de suas qualidades, tema que mereceu minha dedicação pessoal, como retribuição ao que a cidade fez por mim. (É básico. Se o dinheiro público promove sua educação, é sua obrigação dar uma parcela de seu esforço, da sua criatividade, de seu conhecimento para a sociedade que o sustentou.)
Eu sei que a sensibilidade e a vontade política da prefeita de Morungaba, Maria Cecília Pretti Rossi, vão concretizar um projeto inédito na área de informática, de tecnologia da informação, de Internet, em parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e a Funcamp - Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, e o comando da inteligência do professor Leonardo Mendes, um mineiro uai!
Abram alas que Morungaba vai passar. Parabéns Morungaba. Tudo de bom para você!

O Morungaba, 24 de junho de 2002. 


(*) O correto é o terceiro aparelho de televisão. O primeiro foi de Antonio Miguel Sobrinho e o segundo da família Consolin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário